Gestor: Aproprie-se da Sua Escolha de Liderar
Liderança, em meu entendimento, é uma posição que requer humildade para servir o outro, estar disposto a abrir mão de certezas e da dinâmica de comando e controle. Caso contrário, corre-se o risco de criar uma conexão excessiva com um ilusório e sedutor “lugar de privilégio”, um caminho propício para práticas danosas como intimidações, assédios, favoritismos, cobranças excessivas e ambientes de medo.
Foi com o objetivo de mapear parte desse cenário que o Talenses Group, em parceria com a FGV, lançou a pesquisa “Lideranças Tóxicas e os Impactos na Cultura Organizacional, Clima e Carreira Profissional”, um tema tanto importante quanto urgente. Os dados do estudo, inclusive, foram a base de um webinar do C-Talks, que tive o prazer de conduzir com a presença de Patricia Ansarah , fundadora do Instituto Internacional em Segurança Psicológica (IISP), e Marcelo Lopes Cardoso, integrador de transformações organizacionais e fundador da Chie Integrates.
O gancho inicial do bate-papo, que recomendo que você confira, foi o dado de abertura do estudo: 87% de um grupo de 590 profissionais de diferentes regiões do Brasil consideram já ter tido uma liderança tóxica, uma porcentagem que considero bastante alta e alarmante. Outros impressionantes 62% dos entrevistados disseram que já encerraram uma relação profissional devido a um líder tóxico.
Diante dessas porcentagens, Patrícia considerou que estamos em um estado de adoecimento no mundo corporativo. Ao longo do tempo, os líderes foram preparados para um jogo de poder, para ter respostas, não ter dúvidas, não pedir ajuda, não fazer perguntas e trabalhar com fatos e dados. Na visão dela, poucos gestores foram treinados, por exemplo, para o autoconhecimento. Ela destacou que, por trás desses comportamentos tóxicos, existe muita insegurança e falta de habilidades socio emocionais.
Marcelo também concordou que a liderança tóxica é um dos sintomas de um sistema corporativo doente, com pessoas estimuladas por modelos de bônus predatórios e pela ideia de que o executivo só terá valor, autoestima e reconhecimento se entregar o resultado prometido a qualquer custo. Ele explicou que isso faz com que o gestor confunda sua identidade com a posição profissional e que líderes tóxicos não são, necessariamente, pessoas patológicas ou maldosas.
Quando o assunto enveredou para a segurança psicológica, algo muito cobrado das lideranças, Marcelo destacou que, diferentemente do que muitos pensam, não se trata de um “lugar quentinho, onde todo mundo se protege e é legal”, mas sim de um ambiente em que as pessoas podem divergir com qualidade. É um local onde há espaço para diálogo, e as pessoas sabem ser diretas, respeitando o outro sem serem agressivas e ostensivas.
Patrícia, que é Master Trainer em Segurança Psicológica, definiu o termo como “um fenômeno”. Ela explicou que se refere a um grupo de pessoas que compartilham a noção de que, quando estão juntas, há espaço para expressar ideias, questionamentos, dúvidas e incertezas. Disse que também envolve corrigir comportamentos contraproducentes como um elemento de aprendizado. Destacou que, nesse ambiente, o desconforto de uma pessoa é o desconforto do grupo.
É importante ressaltar que, no webinar, tanto as considerações de Patrícia quanto as de Marcelo e as minhas não tinham como objetivo minimizar os impactos dramáticos e o potencial destrutivo que uma liderança tóxica pode ter sobre a equipe. A necessidade de combater comportamentos tóxicos é inquestionável. A intenção foi apenas dar um passo atrás na discussão: ampliar a reflexão sobre a raiz do problema, mostrar que nem todo mundo é tóxico porque quer ser. Não se trata de uma justificativa para proteger líderes, mas de uma explicação mais ampla para elevar a qualidade da busca por soluções.
O debate sobre lideranças tóxicas e o combate a esse mal é e sempre será necessário, pois os profissionais do mercado de trabalho atual estão cada vez mais atentos e informados sobre comportamentos de gestores que não condizem com uma relação humana civilizada. A maioria não está mais disposta a suportar qualquer situação no trabalho. Hoje, diante de um desconforto significativo, em vez de temerem perder o emprego, muitos profissionais preferem pedir demissão.
O bate-papo com Patrícia e Marcelo reforçou em mim uma certeza: é crucial que as pessoas em cargos de gestão ou que almejam essa posição estejam conscientes de que não se trata de uma tarefa simples, mas de uma escolha que demanda responsabilidade e preparo. Aqueles que não se sentem aptos para a posição devem, em prol do próprio bem-estar e dos potenciais subordinados, buscar crescer e se desenvolver em trajetórias alternativas, como a carreira em Y.
A liderança que o mundo corporativo precisa é inclusiva, empática e focada no desenvolvimento coletivo e na comunicação transparente sem humilhação. Não precisamos de líderes que gerem conflitos, mas daqueles que, na insana dinâmica do dia a dia, sabem encontrar soluções adequadas para os problemas que se apresentam sem colocar em risco a saúde mental e emocional de quem os rodeia.
João Marcio Souza
Managing Partner & CEO Talenses Executive | Founder Talenses Group