A nova onda do “lazy job”
As novas gerações estão buscando empregos com menos demandas – e cargas horárias que permitam maior saúde mental. Mas as empresas não querem ouvir.
Colunista da VocêRH e do Valor Econômico
Após o “quiet quitting”, agora temos o lazy job, uma expressão que surgiu no TikTok e tem ganhado força nas redes sociais. É uma invenção da americana Gabrielle Judge, criadora de conteúdo vinda da indústria tech que resolveu se dedicar à defesa de uma vida mais equilibrada entre trabalho e o tempo que é só para você. Ela lançou, na verdade, o termo lazy girl job, que, na tradução livre para o português, significa “trabalho para menina preguiçosa”.
No perfil dela, podemos ver uma série de postagens incentivando a busca por um trabalho que não seja complexo, atenda uma carga horária mais adequada, que preferencialmente seja remoto e pague bem. Existem postagens, também, estimulando que as pessoas fiquem satisfeitas com um “trabalho comum”, que lhes permita desfrutar mais da vida fora do expediente.
A expressão logo foi simplificada para apenas lazy job, e o que não falta são pessoas em busca de adaptar a própria realidade a esse conceito. Os adeptos dos lazy jobs não são exatamente preguiçosos, claro. Eles buscam por empregos que lhes permitam, de fato, ter melhor qualidade de vida e de saúde mental.
Pensando nesse conceito, resolvi reunir aqui as principais características de oportunidades de emprego que se enquadram no conceito de lazy job:
- Liberação do colaborador quando as tarefas do dia já foram concluídas com qualidade.
- Cobrança pela conclusão de atividades e projetos, não por uma carga horária estabelecida.
- Dimensionamento adequado da carga de trabalho para ser possível entregar os projetos com qualidade e dentro do prazo.
- Formato de trabalho remoto e com flexibilidade de horário.
- Preocupação genuína com o bem-estar dos colaboradores.
- Equidade salarial e de carga horária entre gêneros.
- Investimento na capacitação da equipe para que essas pessoas possam entregar o que é esperado delas.
- Remuneração em linha com as praticadas no mercado, de acordo com a função desempenhada.
- Atividades aderentes ao perfil e às habilidades de cada colaborador.
Não é o que os empregadores querem
Na prática, diversos trabalhos podem ser classificados como lazy jobs. Talvez, mesmo não estando em um trabalho que cumpra todos os requisitos que citei acima, possamos conquistar, no nosso dia a dia, uma vida profissional que seja mais tranquila, e menos num ritmo frenético.
Em contrapartida, tenho visto um forte movimento de empresas anunciando retorno ao trabalho híbrido e, até mesmo, ao 100% presencial, com duras políticas para que esse objetivo se cumpra. Há empresas remunerando melhor quem mora perto do escritório e outras anunciando o seguinte: profissionais que optarem pelo home office não serão elegíveis a promoções.
Temos, também, um cenário de pessoas sobrecarregadas. Elas atuam em empresas que enxugaram seus quadros, mas mantêm um alto volume de trabalho. Nessa dinâmica, os colaboradores ficam sem tempo para qualquer tipo de pausa entre uma atividade e outra. Isso prejudica, inclusive, a capacidade de esses profissionais traçarem estratégias.
A sensação que eu tenho é que estamos em meio a uma guerra silenciosa. De um lado temos muitos colaboradores em busca de mais qualidade de vida. Na outra ponta estão as empresas com o caixa desafiado, querendo fazer mais com menos, com controles mais acirrados sobre o uso de cada minuto do expediente.
Os reflexos desse cenário estão por toda parte. Muitos executivos com burnout e depressão, vivendo à base de remédios e álcool. Profissionais cometendo todo tipo de equívoco em suas entregas por estarem cansados demais para revisarem as atividades com mais atenção. Fora do escritório, o trânsito voltou ao que era o normal pré-pandemia, mas agora sem indícios sobre o melhor dia e horário para sair de casa.
As novas gerações, que se posicionam mais abertamente sobre a busca por propósito e equilíbrio, seguem sendo bastante julgadas. Nas empresas, muitas pessoas têm se posicionado abertamente sobre a preferência por serem contribuidores individuais, ou seja, seguir a carreira em Y. Cresceu o número de funcionários expressando suas insatisfações com as empresas em diversos canais do mundo virtual.
A meu ver, nenhum extremo é bom. Não é na força e na simples imposição que uma empresa vai extrair o melhor desempenho dos seus colaboradores. Também não é atacando publicamente um empregador (em vez de, primeiro, buscar uma conciliação cara a cara) que os profissionais vão ter suas reivindicações ouvidas e atendidas.
No fundo, quando falamos de relações de trabalho, estamos nos referindo a pessoas, que erram, acertam e estão em constante jornada de aprendizado. Se todos estivermos abertos a ensinar e aprender sobre as melhores formas de tratar o outro e ser tratado, todos ganham.
O mercado de trabalho é uma via de mão dupla, e é no equilíbrio que chegamos a um melhor cenário para todos.
ISIS borge sangiovani
Colunista da VocêRH e do Valor Econômico